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Monge sugere rigor contra cardeais protetores de pedófilos


por Richard Sipe, para o site National Catolic Report. O autor deste artigo é monge beneditino, sacerdote e conselheiro de uma clínica que trata de padres. 

Quando as autoridades da Bélgica invadiram os escritórios da Igreja Católica Romana para obter documentos, elas fizeram a coisa certa? A imprensa mundial registrou a operação no dia 26 de junho: em um movimento sem precedentes, as autoridades policiais belgas invadiram os escritórios, as residências particulares e as sepulturas das autoridades belgas da Igreja Católica que podem estar relacionadas com o escândalo em curso dos abusos sexuais.

Será que as autoridades civis dos Estados Unidos deveriam ser mais agressivas na busca dos registros e documentos da igreja sobre os abusos sexuais por parte do clero e dos bispos católicos que o apoiam? Embora as dimensões legais dessa questão estejam fora do meu alcance, estou ciente de que o juiz belga autorizou os mandados de busca com base em provas factuais. Outros podem falar acerca da lei. Minha perspectiva é diferente.

Eu não me faço essa pergunta facilmente ou sem experiência com relação às manobras que os bispos dos Estados Unidos utilizaram ao longo das duas últimas décadas para evitar a responsabilização em face das alegações generalizadas e das provas de abusos sexuais de menores por membros do clero.

Os bispos norte-americanos implementaram procedimentos de proteção positivos em suas práticas de contratação de pessoal. Instituíram boas iniciativas educacionais. Ao mesmo tempo, a maioria fez o máximo possível para impedir as investigações, reter documentos ou obstruir a justiça para as vítimas de crimes sexuais cometidos por padres e por eles mesmos. Eles usaram todos os métodos concebíveis para evitar a responsabilidade pelos crimes. Aguns procedimentos estão dentro dos limites legais, e outros são questionáveis, impensáveis ou indefensáveis, incluindo a intimidação, a destruição de documentos, fraude, engano e ocultação da verdade.

Os júris que foram convocados para analisar como as dioceses lidaram com os casos de abuso sexual chegaram todos a conclusões muito semelhantes ao grande júri deRockville Centre, em Nova York: "O grande júri não acredita que a diocese tenha a capacidade comprovada para lidar apropriadamente com questões de abuso sexual por parte do clero". E ainda: "a conduta de certas autoridades diocesanas teria possibilitado processos criminais apenas pelo fato de que os estatutos existentes são inadequados"(1). Muitos padres norte-americanos escaparam da prisão por causa de seus crimes simplesmente porque são clérigos e como resultado de estatutos inadequados de leis de prescrição.

O cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, manifestou a opinião de que a Igreja "enfrentou essa prova com grande dignidade e coragem", e, esperava ele, "outras instituições e órgãos sociais enfrentam esse mesmo problema com seus membros, com um grau igual de coragem e realismo ao que a Igreja Católica" (2). Espera-se que aquilo que a igreja experimentou prove ser, no final, útil e até mesmo um modelo para prevenir os abusos e proteger os mais vulneráveis. No entanto, essa declaração foi uma ilusão de relações públicas que não leva em consideração a realidade católica norte-americana.

O grande júri da Filadélfia, o mais completo publicado até agora, concluiu: "A evidência diante de nós estabeleceu que as autoridades da arquidiocese nos níveis mais altos receberam denúncias de abuso e optaram por não conduzir qualquer investigação significativa". Além disso, os bispos "deixaram padres perigosos no local ou transferiram-nos para paróquias diferentes, como uma forma de encobrimento. Eles preferiram proteger a si mesmos do escândalo e da responsabilização, em vez de proteger as crianças contra crimes cometidos pelos sacerdotes" (3).

As ações de apenas 63 dos cerca de 160 padres questionáveis foram até levadas em consideração no relatório.

O cardeal Bernard Law, de Boston, e o cardeal Anthony Bevilacqua, da Filadélfia, foram salvos de acusações criminais por causa das limitações técnicas dos códigos legais existentes (ou seja, a necessidade de provar a intenção ou os prazos de prescrição), não por falta de causas prováveis. Os procuradores gerais de New Hampshire e dePhoenix fizeram acomodações especiais para salvar os bispos McCormack e O'Briende acusações criminais (4).

Até mesmo os depoimentos de bispos e cardeais tomados sob juramento demonstram um testemunho questionável repetido. Até agora, nenhum deles foi citado por perjúrio. "Por que não?", é uma questão ainda por resolver.

Deixe-me colocar essa questão o mais claramente possível a partir do meu entendimento enquanto leigo – muitos bispos e cardeais parecem ter mentido.

Algumas mentiras eu testemunhei com meus próprios olhos e ouvidos (5). Outras discrepâncias eu descobri nas transcrições de depoimentos de clérigos. Deixe-me dizer novamente: de acordo com os documentos e registros em casos norte-americanos de abusos por parte do clero, muitos bispos e cardeais parecem ter mentido. As autoridades belgas foram procurar os documentos porque não podiam confiar na veracidade ou na abertura das autoridades da Igreja.

Sob certa pressão e em defesa da imagem da igreja, os bispos podem se tornar francamente desleais. Não é apenas uma tática, é um código cultural. O bispo auxiliar de Baltimore deu o exemplo mais flagrante ao dizer em sua defesa uma clara prevaricação:  "Eu só minto quando eu preciso". Isso foi em 1994. Quando eu contei essa história para uma funcionária da arquidiocese de St. Paul, ela disse que tinha ouvido as mesmas palavras do seu superior, então vigário-geral.

As respostas estereotipadas nos depoimentos e até mesmo em processos judiciais negam o conhecimento e desafiam a credibilidade: a frequente negação rasa é "Eu não me lembro". "Não guardo memórias disso" e "Eu não estou a par" podem ser reservas mentais justificáveis no julgamento dos clérigos.

Os depoimentos disponíveis do cardeal Law e, particularmente, os depoimentos de 2004 e de 2010 do cardeal Mahony são exemplos notáveis do que um leigo poderia chamar de "mentiras". Mahony negou qualquer conhecimento de casos de abusos em um depoimento anterior e no banco das testemunhas em um tribunal. Mas em 2004 seu testemunho foi revisto, e ele foi confrontado com cópias das cartas que ele escreveu e assinou, que provaram que o que ele disse sob juramento anteriormente não era verdade. Sua única auto-defesa e explicação da discrepância entre o seu testemunho sob juramento e os documentos era que ele deveria ter "esquecido" disso, porque ele estava "ocupado" no momento do seu depoimento e do processo no tribunal com uma visita do Papa que ocorreria alguns dias depois (6).

Apesar das claras admissões de destruir documentos e conspirar para esconder crimes, poucas respostas têm sido oferecidas pelo sistema de justiça criminal. Os cardeais e bispos têm escapado até agora de quaisquer acusações criminais por perjúrio. Os bispos utilizam os estatutos de limitações existentes para se proteger, enquanto continuam se opondo a qualquer extensão que ajudaria a fazer justiça às vítimas e aos abusadores.

Apesar das repetidas promessas de ação, os bispos não instituíram uma reforma significativa do sistema clerical nem instalaram uma supervisão eficaz dos agressores sexuais clericais. Isso está em contraste com a recente reação dos bispos quando os padres desviaram dinheiro da paróquia. Não há nenhuma dúvida de que há uma discordância entre a velocidade e o poder de decisão hierárquicos em casos de abuso que são facilmente perdoados e encobertos e casos de desvio de recursos que foram submetidos a uma rápida intervenção civil.

Existem até mesmo exemplos piores de discordância de valor eclesiástico quando a velocidade das ações dos bispos em censurar um padre por um desvio litúrgico (ou uma infração semelhante) contrasta com a reação letárgica e resistente de denunciar os abusos. Um caso principal na minha experiência foi a de Eusébio Beltrand, arcebispo de Oklahoma, que respondeu imediatamente através de uma carta dura à reclamação de um paroquiano de que o pároco, Pe. James Rapp dos Oblatos de São Francisco de Sales, havia violado algumas sutilezas de um título, ao mesmo tempo em que ignorou (até ser forçado pela denúncia dos pais para a polícia) o comportamento abusivo do padre. O arcebispo sabia do histórico de abuso anterior de Rapp quando aceitou-o para a diocese, mas enfrentou uma luta legal de anos contra a responsabilização (7). Há muitas horas, uma vasta quantidade de trabalho de advogados e de recursos da Igreja desperdiçados em proteger documentos possivelmente incriminadores e clérigos culpados?

A manobra das autoridades civis da Bélgica ao apreender documentos e investigar sepulturas para obter provas de abusos implode questões antes impensáveis na consciência católica norte-americana: as crianças seriam melhor protegidas, os reais interesses da comunidade católica seria melhor servida, a justiça seria melhor realizada se as autoridades civis tratassem os bispos e os padres com menos deferência? O comportamento mafioso de bispos e padres deveria ser visto como "crime organizado", em vez de pecadinhos mais inclinados para dentro da fraternidade clerical? Recentemente, ainda em 2010, o cardeal Mahony aconselhou seus padres que os abusos por parte do clero são um "problema de família" e deveria ser tratado como tal.

Será que os inquéritos e os relatórios do grande júri de Nova York ao Arizona dão uma explicação suficientemente precisa do padrão e das práticas da Igreja Católica nos Estados Unidos para justificar uma intervenção no estilo da Bélgica? A investigação de oito anos do grande júri de Los Angeles e o cardeal Mahony se depararam com obstruções desmedidas e devoraram milhões de dólares de recursos da Igreja e do Estado. Para que objetivos? A proteção das crianças? Não. Para controlar os abusadores? Não. Por causa da justiça? Não. Para proteger a imagem e uma importante autoridade da Igreja? Sim.

O sistema de valores eclesiais tradicionais é distorcido e inadequado para atender as pressões e as necessidades atuais. Valores são expostos assim que os bispos respondem às revelações de abuso e planejam combater a descoberta dos fatos. O principal valor clerical é evitar o escândalo – preservar a "bella figura" em termos vaticanos. O que o historiador Richard Trexler nota a respeito da hierarquia de valores dos séculos XIV ao XVI ainda é válido: as transgressões sexuais secretas do clero, até mesmo a fornicação, eram "infinitamente preferíveis aos tipos que poderiam ter repercussões públicas". Acima de tudo, há um desejo de evitar escândalos. "O escândalo, afinal, foi o que comprometeu a habilidade organizacional do padre em seu funcionamento" (8).

Preocupações monetárias também são onipresentes. A preservação da propriedade e do poder clericais são valores importantes e seguem de perto as preocupações com relação à imagem. O magistério e a doutrina precisam ser defendidos, mas são de alguma forma flexíveis no serviço a outras demandas. Por último – em um distante quinto lugar – a proteção e o serviço dos leigos são funções que exigem atenção e regulação pela lei da Igreja.

Será que uma intervenção no estilo da que ocorreu na Bélgica reduziria o comportamento abusivo dentro do sistema clerical e facilitaria a reforma?

O governo dos EUA é tradicionalmente respeitoso com relação às instituições religiosas, mesmo além das disposições da Primeira Emenda. Ele também tem um sistema judicial civil bem desenvolvido que tem sido eficaz para ajudar algumas vítimas a alcançar a justiça e a tornar e devolvendo alguma medida de danos morais por parte uma Igreja culpada ao chamar a atenção internacional para o problema dos abusos. Sigilo, resistência, intimidação e coação religiosa não têm servido bem à igreja ou à sociedade. A Igreja Católica não está lutando eficazmente contra um câncer sistêmico que está corroendo-a a partir de dentro. Será que a Igreja Católica dos EUA precisa do tipo de intervenção que as autoridades civis da Bélgica estão dispostas a instituir?

Notas:

(1) Suffolk County Supreme Court Special Grand Jury Report. 6 de maio de 2002. P.173-174.
(2) Ao receber o Prêmio Gaudium et Spes dos Cavaleiros de Colombo, em Nashville. 6 de agosto de 2007.
(3) http://www.bishop-accountability.org/pa_philadelphia/Philly_GJ_report.htm. Relatório do Grande Júri da Filadélfia, 19 de setembro de 2005.
(4) Cf. Relatório do grande júri de Boston, 23 de julho de 2003.
(5) Cf. Nota sobre o bispo Robert Brom em www.richardsipe.com. Confira também os depoimentos do cardeal Roger Mahony, 2004, nos quais eu estive presente, e de 2010, ambos disponíveis no BishopAccountability.org.
(6) Os depoimentos estão disponíveis em BishopAccountability.org.
(7) Rapp foi considerado culpado por abusar de dois meninos menores de idade e condenado a 40 anos de prisão. Na condenação, Pe. Rapp apelou junto ao juiz, afirmando que, aos 60 anos de idade, ele estava recebendo uma sentença de prisão perpétua, ao que o juiz respondeu: "Você deu a esses meninos uma sentença de prisão perpétua".
(8) "Synodal Law In Florence and Fiesole", 1306-1518. P.50; Roma: Vatican Press, 1971

Com tradução de Moisés Sbardelotto para o IHU On-Line.

Igreja belga treme diante de documentos sobre pedofilia
junho de 2010

Casos de padre pedófilos.

Comentários

Anônimo disse…
Há uma cidade brasileira em que trabalhamos meu marido e eu, logo que chegamos ao Brasil, para podermos dar continuidade à nossa vida, após perseguidos politicamente em nossa república de origem, latinoamericana e vizinha. Fomos ajudados pela instituição em questão, e lecionei num instituto de formação de padres, na cadeira de sociologia. O chefe local era como se diz, um príncipe da Igreja, e gozava de muitas regalias politicas, entre outras, ser considerado a segunda pessoa mais importante do Estado, acima do vice-governador. Ouvíamos muitas conversas, na sala dos professores, entre as quais expressões revoltadas de colegas, pelas vistas grossas que o chefe eclesial local mantinha, diante do absurdo que, - segundo esses desabafos -, era alguns clérigos terem seus nomes ligados a pedofilia, abusos, certas ligações suspeitas com leigos e até políticos pedófilos; pois essa imunidade advinda com o acobertamento, era incentivo às ações ocultas e práticas escandalosas, que se perpetuavam... Havia, lembro, rumores públicos acerca de um religioso-músico, envolvido em escândalos do tipo; e outros acerca de dezenas de outros padres, de paróquias da capital e do interior, com históricos semelhantes e decisões de transferências, por causa do problema; até certas suspeitas de que o referido potentado tivesse mesmo em sua "entourage", um ou mais pedófilos, que segundo se dizia, eram de sua intimidade...Lamentavam os professores, alguns até padres casados, com vida moral íntegra; desvios tais serem acobertados, recebendo assim, implícito e obliquo apoio, por isso mesmo ainda mais suspeito. Não duvido pois, desses casos na Bélgica e Estados Unidos, onde parecem ocorrer rumores análogos, por motivos
nada dessemelhantes.
O que me parece óbvio, nesse longo post, que tive a paciência e também a curiosidade de ler, É QUE A JUSTIÇA TAMBÉM É CUMPLICE, não sem razões que de ocultas e desconhecidas, podem pela astúcia da experiência e da perspicácia do senso-comum serem facilmente atribuídas À MAIS DO QUE EVIDENTE CULPA PRÓPRIA. Em outras palavras, a Justiça também é useira e vezeira de tais práticas, recrutando-as por vezes, como sucedeu em Portugal, nas próprias instituições de menores confiadas à Igreja. E sejamos mais honestos, nem só à Igreja, mas a instituições várias, muitas vezes estatais e governamentais. Há algo de podre no reino da pedofilia, e ponha-se de aviso, o mais inteligente interlocutor, não é apenas debaixo do tapete vaticano e romano, é público, institucional, governamental e sobretudo escolar. Ouvi de um livreiro, de uma capital nordestina, onde a prostituição infanto-juvenil é verdadeira praga, e internacional; O LUGAR ONDE MEU PAI ME PÔS PARA APRENDER A SER HOMEM, ONDE NUNCA PENSAMOS, foi onde eu vi mais práticas de pederastia e uso de drogas, a começar pelas pessoas de maior dignidade, de mais elevada distinção. Eu mesmo (SIC), DISSE-ME O JOVEM, fui aliciado, corrompido, em meus dezoito verdes anos, por um alto dignatário dessa instituição, para uso de determinada droga e sexo coletivo, envolvendo a esposa do decujus, e relações homossexuais. Por infeliz coincidência, mais tarde, na profissão de livreiro, foi assediado por um padre, responsável por finanças de determinada diocese do interior deste estado, do qual tornou-se amante pago, confidenciando com pesar que deixou-o porque este (o clérigo) "apaixonara-se" e ameaçara o casamento do jovem mal-sinado.
Como se vê, é toda uma máfia não só religiosa, mas institucional.

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