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‘Ninguém é repressor, mas todo mundo tem seu chicotinho à mão’

Título original: Os tais de valores

por Luiz Felipe Pondé para Folha

Recebi muitos e-mails por conta da "Vovó das Havaianas", a coluna de 5 de outubro, onde comentei o comercial "maldito" da "vovó que gosta de sexo". Mas, afinal, por que se ofender com isso?

A queixa dos ofendidos, em situações como essa, normalmente cai sobre essa coisa de que, hoje em dia, se fala tanto quanto se fala em cabala da Vila Madalena, energias, aquecimento global e outros clichês, isso é, os tais dos "valores".

etica_corrupcao Frases como "hoje não existem valores" soam tão ridículas como "sofro porque os unicórnios estão sendo extintos". Quando alguém começa falando "porque a crise dos valores hoje em dia...", eu já sei que o resto é blablablá. Por acaso alguém acha que o mundo já foi melhor? Há 500 anos existiam "valores" mais válidos? Respondo: não, o mundo nunca foi bom. E mais: se há 500 anos havia "valores" mais válidos é porque simplesmente havia menos opções na vida. Muitas opções, muita mistura, muitas viagens, muita gente diferente, muita terapia... muita incerteza. A própria ideia de "escolha de valores" implica num "mercado de valores".

Todo mundo se acha "progressista", "emancipado", "ético", adora dizer que gosta de mudanças morais, mas contanto que o mundo caiba em sua salinha de TV. O relativismo só serve para se achar índio fofinho.

Quer deixar alguém com vergonha: mande ele ou ela elencar a lista de "valores" que julga certa (não vale coisas do tipo "não matarás" porque essa ideia é de Moisés...).

Ninguém é repressor, mas todo mundo tem seu chicotinho à mão. O moralismo barato nunca esteve tanto em voga. Falando mal da propaganda me sinto como um agente do bem enfrentando os demônios do mundo.

Mas todo mundo quer que a economia gire, o dinheiro circule e venha parar em suas mãos. Para isso acontecer, tem de ter consumo. Ah, como é difícil esse mundo de gente grande.

Ouvi dizer que umas 200 leis andam por aí querendo controlar a propaganda. Ouvi também falar de uma lei que obriga a ter, nas fotos, algo como "esta foto não é real" a fim de libertar as meninas da beleza "artificial". Alguém pode me explicar o que vem a ser a "beleza natural"?

Ninguém pode controlar o modo como se "forma" o padrão de beleza sem se tornar um fascista. Pois bem, aí está o photoshop ético. Ridículo, como aliás todo esse furor legislativo. A ideia de uma propaganda "construtiva" em termos de "valores" é de inspiração fascista. Quem vai dizer quais são os "valores construtivos"?

Se tomarmos por evidência o que as pessoas falam, todas têm ótimos "valores", ninguém corrompe ninguém, ninguém trai ninguém, ninguém mente para ninguém, todo mundo ensina aos filhos o bem. Veja a pesquisa recente publicada no caderno Mais! desta Folha (dia 4 passado): segundo a pesquisa, nós vivemos numa Escandinávia, todo mundo é muito ético.

Aliás, sobre essa bobagem da Escandinávia ser vista como modelo ético, recomendo a leitura do romance do dinamarquês Christian Junguersen "A Exceção" (ed. Intrínseca). Nesse maravilhoso livro, um grupo de mulheres que trabalham num centro em Copenhague de combate e investigação de genocídios (olha só: elas são do bem!) se põe a perseguir e destruir uma delas, apenas porque as outras pensam que ela é suburbana, careta e tem uma família "Doriana".

Ninguém fala a verdade quando é perguntado sobre "valores". Óbvio que não: seria como ficar nu em público. A tendência a projetar uma autoimagem de gigante ético é tão normal quanto cobrir as partes íntimas do corpo. É mais ou menos como se perguntar: é verdade que sua mãe é amante do vizinho? Ela é, mas você não vai contar.

Por exemplo, uma reunião de pais numa escola é um desfile de pessoas que são absolutamente seguras quanto aos "valores" que passam para os filhos. Mentira. Pura piada. Quando muito, os pais veem os filhos à noite. Só não terceirizam os filhos quem não tem dinheiro ou mulheres sem inquietações profissionais ou libertárias, ou seja, as "coitadas" que as outras acham que são "apenas mães".

Se dependesse desses "santos", o mundo já estaria salvo só de ouvi-los cantar o hino aos "valores de seus filhos". A vida cotidiana se dá aos pedaços, aos trancos e barrancos, com fragmentos de consciência e a custa de muito esforço. Ninguém sabe com certeza o que está fazendo, quando está fazendo, em meio a tudo que faz ao mesmo tempo, o tempo todo.

Enfim, suspeito que esse papo de "valores" serve para evitarmos falar de coisas mais sérias.

Revolução sexual é puro marketing de comportamento.
outubro de 2009

> Artigos de Luiz Felipe Pondé.

Comentários

Anônimo disse…
Parabenizo os comentários e concordo com todos eles. Única coisa que, pelo menos tento é não perder a referência ao que considero valor para mim e meus próximos. Valor que é de fato pessoal, de acordo com minha religiosidade e pessoa. De fato, ninguém pode ditar 'valores' pois, quem deveria e poderia ditar algumas coisas, que são as igrejas são as que mais mataram e discriminam e fazem a diferenciação em nome de Deus. Tudo o que se fala é balela.
O que atravanca a Humanidade é a carta magna dos direitos do homem e a lei do menor e adolescente, onde os errados tem mais direitos que os de bem. A primeira lei certa é a lei do cão e se puder, se evoluir mais parte para a segunda que é a lei do amor. Mas até aí, cada um por si.
Anônimo disse…
A frase dele já diz tudo, é só usar o argumento de retorsão, contido na contradição performática do discurso. Ele deve saber disso melhor que eu pois como estudante de filosofia, deve ter passado pela disciplina de "lógica"...O chicotinho dele, que é a língua e as tiradas impagáveis e que nos fazem rir, está sempre a mão, hehehe. Mas concordo com tudo que foi dito, em gênero , número e grau. Um adendo: não se educam nem se formam filhos ou seres humanos, com palavras, com blá-blá-blá...Os homens são imitadores...seguem e reproduzem não o palavrório mas os atos. Por isso a moral possui esse caráter exemplar, que infelizmente a ditadura oratória transformou em compulsão, mediante a comparação...seja como fulano ou como o filho de sicrana. Quanto aos tais valores...ou como alguns falam em antivalores, contravalores; permanece a máxima nietzchiana:
valioso seja o que afirma o valor da vida, e o que nega esse valor, seja sem nenhum valor. Nada mais lógico.

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