Título original: A vovó das havaianas
por Luis Felipe Pondé
para Folha
Cara leitora, você fala de sexo com sua avó? Se ela falasse com você sobre que tipo de cara é bom pra você ir para a cama, você ficaria à vontade? Ou do alto de seus 20 anos e do blablablá sobre sua geração ser "sexualmente mais emancipada", você ficaria vermelha e, num reflexo ancestral, fecharia as pernas de vergonha?
Pesquisas consideram as mulheres como índice significativo em termos de "progresso" nos comportamentos. Mulheres que transam fácil e falam disso com desenvoltura, isso seria indicação de "sociedades mais avançadas". Ainda que eu, como a cara leitora já sabe, não acredite muito nesse blablablá de sociedade mais avançada. Africanas transam muito e a África está longe de ser avançada.
Por que faço esta pergunta indiscreta? Perguntas sobre sexo são difíceis porque se mente muito nesse assunto. Não acredito que hoje se faça mais e melhor sexo do que se fazia antes. A dita revolução sexual é puro marketing de comportamento. Serve pra produzir comportamentos superficiais que vendem coisas relacionadas ao sonho de consumo sexual. No íntimo, a maioria continua insegura, solitária e mal resolvida, só que agora sabe falar bonito sobre a tal liberação sexual.
Em setembro, estreou um comercial de um modelo de Havaianas onde uma jovem conversa com sua avó em um restaurante. Sua avó reclama de suas sandálias num local chique como o que elas estavam. Ela responde algo do tipo "deixe de ser antiga vovó". Entra um cara famoso e bonito no restaurante e elas olham.
A vovó diz pra neta que aquele é o tipo de cara que ela deveria arranjar. A neta responde que casar com gente famosa não é bom. Aí vem o tiro da vovó, quando ela diz mais ou menos assim: "Estou falando de sexo e não de casamento menina!".
Após reclamações do "público sensível", a agência de publicidade criadora do comercial colocou outro filme no ar, em que a atriz que faz a vovó, com um laptop no colo, faz referência explícita às reclamações e diz que a agência decidiu fazer esta segunda versão (que não encobre, e mais do que isso, assume o mal-estar causado pela primeira) em respeito aos ofendidos, mas que, ao mesmo tempo, mantém a primeira na internet em respeito aos que gostaram da "versão maldita". E ainda dá um olé: "Depois digam que não sou moderninha", e acrescenta "isso não é muito democrático?"
Palmas para a agência e para o produto. Um baile nos chatos que não reconhecem a importância da autorregulação em publicidade e querem legislar sobre como as pessoas lidam cotidianamente com a banalidade e a falta de sentido da vida miúda. O problema da repressão à publicidade é que ela pode facilmente criar uma propaganda "frouxa" que só diz o que os chatos acham que pode ser dito. Um chato é uma pessoa que normalmente não tem muita criatividade e atrapalha quem tem. Não há como ser criativo sem correr riscos na vida.
Entretanto, ainda que os envolvidos na criação do comercial tenham se saído muito bem dando uma lição de autorregulação e de como se deve agir numa sociedade difícil como a nossa, sem desistir da ideia "reprimida" pela hipocrisia do público ofendido, esse fato revela mais do que a vitória da criatividade sobre a repressão burra. O fato revela como somos todos reféns do que pessoas banais pensam, em seus apartamentos de classe média.
A ideia de que o público seja mera vítima na sociedade de consumo conta apenas parte da história desta sociedade de consumo. E a fala da vovó, "isso não é muito democrático?", revela exatamente uma das agruras da democracia, sistema necessariamente aberto a estupidez pública. O consumo pode ser de fato uma ferramenta de enorme poder nas mãos do cidadão-consumidor.
Esse "case" Havaianas revela a inteligência adaptativa da propaganda e como ela é uma fronteira na sociologia contemporânea. Uma personagem vovó brinca com o senso comum de que jovens "estão adiante de seu tempo" -uma bobagem que só tem valor quando utilizada pra vender alguma coisa. Jovens são "conservadores" com tudo o que dão valor e "progressistas" com tudo o que não dão valor, assim como todos os mortais. O personagem jovem como agente de mudança é um mito.
Fora o mito, são repetidores de (novos) preconceitos, (novas) fofocas e (novas) repressões em meio às (velhas) baladas. Vou sair e comprar uma Havaianas dessas pra minha filha de 17 anos. Mesmo se for tudo uma grande criação de marketing, ainda assim, um show de bola.
‘Entre as pernas de uma mulher, só boas emoções nos esperam.’
novembro de 2009
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
por Luis Felipe Pondé
para Folha
Cara leitora, você fala de sexo com sua avó? Se ela falasse com você sobre que tipo de cara é bom pra você ir para a cama, você ficaria à vontade? Ou do alto de seus 20 anos e do blablablá sobre sua geração ser "sexualmente mais emancipada", você ficaria vermelha e, num reflexo ancestral, fecharia as pernas de vergonha?
Pesquisas consideram as mulheres como índice significativo em termos de "progresso" nos comportamentos. Mulheres que transam fácil e falam disso com desenvoltura, isso seria indicação de "sociedades mais avançadas". Ainda que eu, como a cara leitora já sabe, não acredite muito nesse blablablá de sociedade mais avançada. Africanas transam muito e a África está longe de ser avançada.
Por que faço esta pergunta indiscreta? Perguntas sobre sexo são difíceis porque se mente muito nesse assunto. Não acredito que hoje se faça mais e melhor sexo do que se fazia antes. A dita revolução sexual é puro marketing de comportamento. Serve pra produzir comportamentos superficiais que vendem coisas relacionadas ao sonho de consumo sexual. No íntimo, a maioria continua insegura, solitária e mal resolvida, só que agora sabe falar bonito sobre a tal liberação sexual.
Em setembro, estreou um comercial de um modelo de Havaianas onde uma jovem conversa com sua avó em um restaurante. Sua avó reclama de suas sandálias num local chique como o que elas estavam. Ela responde algo do tipo "deixe de ser antiga vovó". Entra um cara famoso e bonito no restaurante e elas olham.
A vovó diz pra neta que aquele é o tipo de cara que ela deveria arranjar. A neta responde que casar com gente famosa não é bom. Aí vem o tiro da vovó, quando ela diz mais ou menos assim: "Estou falando de sexo e não de casamento menina!".
Após reclamações do "público sensível", a agência de publicidade criadora do comercial colocou outro filme no ar, em que a atriz que faz a vovó, com um laptop no colo, faz referência explícita às reclamações e diz que a agência decidiu fazer esta segunda versão (que não encobre, e mais do que isso, assume o mal-estar causado pela primeira) em respeito aos ofendidos, mas que, ao mesmo tempo, mantém a primeira na internet em respeito aos que gostaram da "versão maldita". E ainda dá um olé: "Depois digam que não sou moderninha", e acrescenta "isso não é muito democrático?"
Palmas para a agência e para o produto. Um baile nos chatos que não reconhecem a importância da autorregulação em publicidade e querem legislar sobre como as pessoas lidam cotidianamente com a banalidade e a falta de sentido da vida miúda. O problema da repressão à publicidade é que ela pode facilmente criar uma propaganda "frouxa" que só diz o que os chatos acham que pode ser dito. Um chato é uma pessoa que normalmente não tem muita criatividade e atrapalha quem tem. Não há como ser criativo sem correr riscos na vida.
Entretanto, ainda que os envolvidos na criação do comercial tenham se saído muito bem dando uma lição de autorregulação e de como se deve agir numa sociedade difícil como a nossa, sem desistir da ideia "reprimida" pela hipocrisia do público ofendido, esse fato revela mais do que a vitória da criatividade sobre a repressão burra. O fato revela como somos todos reféns do que pessoas banais pensam, em seus apartamentos de classe média.
A ideia de que o público seja mera vítima na sociedade de consumo conta apenas parte da história desta sociedade de consumo. E a fala da vovó, "isso não é muito democrático?", revela exatamente uma das agruras da democracia, sistema necessariamente aberto a estupidez pública. O consumo pode ser de fato uma ferramenta de enorme poder nas mãos do cidadão-consumidor.
Esse "case" Havaianas revela a inteligência adaptativa da propaganda e como ela é uma fronteira na sociologia contemporânea. Uma personagem vovó brinca com o senso comum de que jovens "estão adiante de seu tempo" -uma bobagem que só tem valor quando utilizada pra vender alguma coisa. Jovens são "conservadores" com tudo o que dão valor e "progressistas" com tudo o que não dão valor, assim como todos os mortais. O personagem jovem como agente de mudança é um mito.
Fora o mito, são repetidores de (novos) preconceitos, (novas) fofocas e (novas) repressões em meio às (velhas) baladas. Vou sair e comprar uma Havaianas dessas pra minha filha de 17 anos. Mesmo se for tudo uma grande criação de marketing, ainda assim, um show de bola.
‘Entre as pernas de uma mulher, só boas emoções nos esperam.’
novembro de 2009
Artigos de Luiz Felipe Pondé.
Comentários
Afinal de contas ele se sensibiliza com comerciais que são apenas jogos de marketing,mas não tem a capacidade intelectual de notar que faz parte de um mundo que veste uma mascara ética e moral.
Houve revolução sexual sim. E pra nós, a despeito de toda violência simbólica contra nosso sexo, e do sistema econômico tê-la transformado , como a tudo mais, em mercado(mas o que não é, não é mesmo?); nos orgulhamos e nos reasseguramos sempre dessa vitória e dessa conquista.
O tão comemorado "progresso" humano não passa de ilusão, conversa fiada.
Mas há quem goste, ou precise, viver de ilusão (a grande maioria, pra ser sincero).
Então, só posso desejar, sinceramente, que você seja feliz com todos os pênis e empregos que conseguir conquistar ao longo de sua vida.
Há uma outra coisa com a qual você ainda vai demorar a se acostumar(...dica? bingo!).
Mulheres inteligentes, que não precisam de "ricardos" para dizer-lhes o que um autor quis dizer...É presunçoso, autoritário e arrogante. Se é tão sábio a ponto de ensinar-me a hermenêutica, comece por aplicá-la sobre os seus próprios argumentos, pois O QUE VOCÊ INTERPRETA DIZ SOBRETUDO O QUE VOCÊ ESCONDE...O QUE VOCÊ NÃO É!
Se "ninguém absolutamente, ninguém em todo este universo, está realmente preocupado com o que você diz , escreve, ou pensa, exceto você", porquê então você se deu ao trabalho de escrever aquele extenso primeiro comentário a respeito do texto?
Porquê você se deteve no que o texto quis dizer a ponto de lhe provocar uma reação tão furiosa de discordância? Eu nem esperava que você fosse responder, dada a data em que o texto foi publicado (apesar de o seu comentário ser bem recente, o que mostra que você está mais preocupada com o assunto do que eu).
Outra coisa, não tenho a menor pretensão de ser sábio ou de dizer o que os outros devem, ou não, pensar. Só penso que você não entendeu o que o autor quis dizer com a afirmação de que "a revolução sexual é puro marketing de comportamento" (ponto de vista com o qual concordo).
Tente reler o texto com mais acuidade e poupe-nos de seu discurso raivoso e pseudo-psicanalítico. E tente não levar as coisas tão a sério, qualquer dia destes você pode acabar tendo um infarto (opinião de quem já quase teve um).
Abraços
"ricardos"
Isso deve provocar mesmo certo desconforto nos homens, afinal, são seis mil anos de patriarcado machista, falocêntrico, falocrático...E de repente, nós mulheres...OS AVALIANDO!!! Vai demorar umas várias gerações pra eles se acostumarem, ah , se vai. E o quanto eles são defensivos, neh? A gente nota quando eles usam de ironia, como diz a comentadora acima, pra apagar a mancha que é a violência contra as mulheres...Quer violência pior que essa, da deselegância, desse comentador machista, intrusivo, querer se meter sem ter sido solicitado, no comentário da moça? Não entendo nada de psicanálise, mas de lógica um pouquinho...O que a (talvez uma senhora) comentadora diz é , como dizem lá no meu interior, pra quem sabe ler um pingo é letra...Ele se identifica com o autor numa coisa tão óbvia meu Deus do céu! Que os problemas de relacionamento continuaram...Claro! São afetivos, são emocionais...envolvem muito mais do que sexo. Mas que houve revolução sexual, houve sim. Eu ainda "peguei o tempo", como se dizia lá no meu interior, que se a gente pedisse ao homem certas coisas, ou falasse acerca delas, era chamada de prostituta, num nome bem mais grosseiro que este, o diminutivo com quatro letras...Hoje a mulherada pode se armar, sair pra "caçar", como se diz. Acho que é isso que tá incomodando eles, além, só me parece, me perdoem se eu estiver errada...do feitiço ter virado contra o feiticeiro. Refiro-me à cobrança in-ter-mi-ná-vel que eles faziam sobre a gente, que não podia ter uma celulite, uma ruga, uma flacidez...eles trocavam a gente por uma mais nova! Agora tem esses garotões sarados, malhados, e eles tudo barrigudos, carecas, brochados...Foi uma revolução e tanto!
Na boa, o mundo continua cheio de chatos. E agora são mais chatos ainda porque passam o tempo inteiro falando que "sabem dar espaço" e "são "emancipados". Coisa chata. Quando vão entender que a humanidade não muda? Só se for pra pior.
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