Título original: A abençoada
por Luiz Felipe Pondé para a Folha
Adoro o teatro. Brinquei de teatro na juventude. Esta foi minha primeira traição à medicina. Mas já tinha um filho e já era casado. É quase impossível fazer teatro e ter uma vida familiar normal no Brasil, dadas as condições em que trabalham os profissionais envolvidos com o teatro.
Aliás, a avassaladora tendência fascista de nossa época deveria ceder lugar a projetos educacionais verdadeiros. Mas não. Em lugar de projetos que eduquem os mais jovens para a condição humana, vivemos sob a tutela de burocratas que inventam todo dia modos de controlar nossas vidas, o que comemos, o que sentimos e o que pensamos, chegando ao cúmulo de querer "roubar" os direitos autorais dos outros, usurpando tudo em nome da "justiça social" -belo conceito, mas que serve a todo tipo de invasão da propriedade alheia e mau-caratismo ideológico. E vai piorar.
Que tal se levássemos o teatro a todas as escolas, tornando aulas de interpretação, dramaturgia e direção teatral parte do currículo obrigatório dos alunos?
O teatro educa nossa alma e nosso corpo, nos ensinando palavras que dão nome aos nossos espantos, medos e alegrias. Fazendo-nos debruçar sobre o humano em nós, este mesmo humano que vive acuado na banalidade das horas.
Poder educar com Shakespeare, Tchekhov, Sófocles, Nelson Rodrigues, entre outros, nos levaria a anos luz de distância da burocracia das produtividades e das quantidades que contamina as escolas, afogando-as na quase total insignificância espiritual.
Mas, sei que divago, sonhando com um mundo onde a educação não seria o terreno baldio que é. Habitado por todo tipo de utopias falsas e pequenos egos.
Recentemente assisti a um espetáculo no Teatro da Cultura Inglesa, "Piscina (sem água)", do britânico Mark Ravenhill, vencedor do 14º Cultura Inglesa Festival. Este espetáculo deveria ser levado a toda parte porque fala de algo essencial: a ambiguidade e a mediocridade humanas travestidas de bons sentimentos.
O enredo trata de um grupo de amigos artistas no qual uma delas é infinitamente superior aos outros. Fica rica e famosa com sua arte. O ódio ao sucesso da "amiga" os leva à loucura. Mas este ódio, escondido atrás de palavras doces, fala da dificuldade que temos de encarar o óbvio: nem todos nós temos talento e a maioria de nós é e sempre foi medíocre.
Voltando ao tema da educação, ao contrário do que tentam dizer muitos especialistas em educação, os mais jovens, sim, aguentam que falemos coisas assim pra eles.
Justamente porque são mais jovens, são menos infectados por esta doença mortal chamada medo da vida (que, cá entre nós, dá medo mesmo). Eles não precisam que fiquemos mentindo sobre algo que, no fundo e no silêncio de si mesmos, sabem: temos medo de ser medíocres e de que nossa vida seja um atestado definitivo de nossa insignificância. E quase sempre é.
A peça fala de arte e de amizade, mas vai muito além. A arte serve apenas como "desculpa" para falar do ressentimento da maioria contra a beleza da amiga "abençoada" (termo do próprio texto pra se referir a ela).
Fosse a "abençoada" uma engenheira numa fábrica de foguetes, o problema seria o mesmo: ressentimento e inveja por parte dos colegas medíocres. Em épocas como a nossa, na qual a sensibilidade dos ressentidos é vista como "direito à igualdade", este texto deveria ser gritado em voz alta em todos os cantos do mundo.
Ao final da peça, a "abençoada" descobre o que os "amigos" fazem pelas suas costas (não vou dizer o que eles fazem, trate de ir ver a peça). Ela grita: "Vocês são uns medíocres!" Ouvir isso é um "alívio", diz um dos medíocres.
Alívio para uma alma que derrete de medo diante do fracasso de sua vida. A fala da "abençoada" abre para seus "amigos" a chance de viver de outra forma. A sinceridade pode curar um covarde. Experimente um dia.
> 'A história é feita por poucos porque a maioria é medíocre.'
julho de 20100
por Luiz Felipe Pondé para a Folha
Adoro o teatro. Brinquei de teatro na juventude. Esta foi minha primeira traição à medicina. Mas já tinha um filho e já era casado. É quase impossível fazer teatro e ter uma vida familiar normal no Brasil, dadas as condições em que trabalham os profissionais envolvidos com o teatro.
Isso deveria ser objeto de preocupação de todos, mas nossos oficiais da educação e da cultura se ocupam com coisas menores, como a burocracia das produtividades e das quantidades que sempre atrapalha a criação efetiva do que importa.
Aliás, a avassaladora tendência fascista de nossa época deveria ceder lugar a projetos educacionais verdadeiros. Mas não. Em lugar de projetos que eduquem os mais jovens para a condição humana, vivemos sob a tutela de burocratas que inventam todo dia modos de controlar nossas vidas, o que comemos, o que sentimos e o que pensamos, chegando ao cúmulo de querer "roubar" os direitos autorais dos outros, usurpando tudo em nome da "justiça social" -belo conceito, mas que serve a todo tipo de invasão da propriedade alheia e mau-caratismo ideológico. E vai piorar.
Que tal se levássemos o teatro a todas as escolas, tornando aulas de interpretação, dramaturgia e direção teatral parte do currículo obrigatório dos alunos?
O teatro educa nossa alma e nosso corpo, nos ensinando palavras que dão nome aos nossos espantos, medos e alegrias. Fazendo-nos debruçar sobre o humano em nós, este mesmo humano que vive acuado na banalidade das horas.
Poder educar com Shakespeare, Tchekhov, Sófocles, Nelson Rodrigues, entre outros, nos levaria a anos luz de distância da burocracia das produtividades e das quantidades que contamina as escolas, afogando-as na quase total insignificância espiritual.
Mas, sei que divago, sonhando com um mundo onde a educação não seria o terreno baldio que é. Habitado por todo tipo de utopias falsas e pequenos egos.
Recentemente assisti a um espetáculo no Teatro da Cultura Inglesa, "Piscina (sem água)", do britânico Mark Ravenhill, vencedor do 14º Cultura Inglesa Festival. Este espetáculo deveria ser levado a toda parte porque fala de algo essencial: a ambiguidade e a mediocridade humanas travestidas de bons sentimentos.
O enredo trata de um grupo de amigos artistas no qual uma delas é infinitamente superior aos outros. Fica rica e famosa com sua arte. O ódio ao sucesso da "amiga" os leva à loucura. Mas este ódio, escondido atrás de palavras doces, fala da dificuldade que temos de encarar o óbvio: nem todos nós temos talento e a maioria de nós é e sempre foi medíocre.
Voltando ao tema da educação, ao contrário do que tentam dizer muitos especialistas em educação, os mais jovens, sim, aguentam que falemos coisas assim pra eles.
Justamente porque são mais jovens, são menos infectados por esta doença mortal chamada medo da vida (que, cá entre nós, dá medo mesmo). Eles não precisam que fiquemos mentindo sobre algo que, no fundo e no silêncio de si mesmos, sabem: temos medo de ser medíocres e de que nossa vida seja um atestado definitivo de nossa insignificância. E quase sempre é.
A peça fala de arte e de amizade, mas vai muito além. A arte serve apenas como "desculpa" para falar do ressentimento da maioria contra a beleza da amiga "abençoada" (termo do próprio texto pra se referir a ela).
Fosse a "abençoada" uma engenheira numa fábrica de foguetes, o problema seria o mesmo: ressentimento e inveja por parte dos colegas medíocres. Em épocas como a nossa, na qual a sensibilidade dos ressentidos é vista como "direito à igualdade", este texto deveria ser gritado em voz alta em todos os cantos do mundo.
Ao final da peça, a "abençoada" descobre o que os "amigos" fazem pelas suas costas (não vou dizer o que eles fazem, trate de ir ver a peça). Ela grita: "Vocês são uns medíocres!" Ouvir isso é um "alívio", diz um dos medíocres.
> 'A história é feita por poucos porque a maioria é medíocre.'
julho de 20100
Comentários
Na disciplina de arte, teatro é "conteúdo estruturante" nas diretrizes, pode e deve ser trabalhado, porém sofremos muito com falta de recursos e com dificuldade de aplicar projetos coletivos diante do contexto social massacrante da gurizada e comportamentos imediatistas.
Sofremos também com visões mercadológicas do conhecimento, que restringem o acesso à produção intelectual humana, mesmo diante das notórias finalidades sociais da escola pública.
Para transformar de verdade é preciso encarar o real no cotidiano concreto. As idealizações servem apenas às nossas vaidades.
Mais recursos, mais justiça social, conhecimento livre, mentes renovadas e proativas: essa é a receita para uma educação de verdade.
abraços educacionais,
pro.thiago~
Fico espantado quando algumas pessoas condenam os prazeres "mundanos" aos quais algumas pessoas (os assim chamados medíocres) se entregam.
Qualquer dose de cachaça ou uma trepada com uma puta é mais reconfortante que toda a obra de Dostoievski, Mann, Proust, Poe etc, juntos. Isso é fato. Escritores são pessoas, geralmente, doentes.
"Ignorance is bliss", alguém disse.
Just for the record: eu não sou ignorante, leio muito, trepo pouco e minha vida é patética. Só não me matei até hoje por pura falta de cojones.
Thats it.
Até a próxima (ou talvez não).
sentimentos tentando mostrarmos o que não somos ser mas devemos tentar ser pessoas melhores, tentar ter bons sentimentos para com todas as pessoas já que todas as pessoas são iguais e merecem atenção e respeito igualmente, adoro teatro ir ao teatro pra mim é um mundo fantastico muito melhor do que ver um filme no cinema não tem nem comparação mesmo porque o teatro procuranos ensinar muitas coisas maravilhosas e com muita simplicidade nós acabamso aprendendo muito
Não escrevo em lugar algum. Apenas tenho algumas ideais a dizer. Vou ser sincero e dizer que a maioria dos meus amigos não teria a menor paciência (para dizer o mínimo) para ter uma conversa um pouco mais "profunda" comigo.
E eu também não posso condená-los, pois são amigos fiéis e compreensivos. Apenas, talvez, não compartilhem da mesma visão de mundo que eu compartilho. O que não é um defeito, de forma alguma.
Muito pelo contrário. Eu mesmo me considero um "crippled", mentalmente falando. O que, provavelmente, sou mesmo.
Eu tenho um perfil no orkut, apesar de não atualizar muito. Mas fica meio estranho eu passar isso para um "Anônimo", não acha?
Assim como o Anônimo, gostei muito do que você escreveu,principalmente sobre a vida patética ( sua e de todos "nós" se formos sinceros !). Você não tem um e-mail para trocar idéias ?
Paula
ricgerim@yahoo.com.br
Postar um comentário